Rogério do Carmo nasceu no Sobreiro, concelho de Mafra, no dia 2 de Fevereiro de 1935 - era sábado e o sol ia a pino - e quando Rogério lançou o seu primeiro grito soaram na torre da pequena capela do povoado as doze badaladas do meio dia…
Rogério do Carmo cresceu em Mafra à sombra do Convento e aos 12 anos começou a fazer desenhos por toda a parte - tendo o seu retrato do rei D. João V sido exposto numa parede da Biblioteca Municipal durante 40 anos e que se encontra actualmente no Museu Regional de Mafra - e escreveu o seu primeiro poema, publicado no Jornal de Mafra, e aos 13 anos viveu o seu primeiro grande amor, uma mulher magnífica chamada Silvina, que lhe telefonou antes de morrer para lhe dizer que ele também tinha sido o seu ultimo grande amor da sua vida…
Aos 20 anos foi para Lisboa onde viveu as suas primeiras loucuras e escreveu para a revista Turismo e fez cinema e televisão e trabalhou no aeroporto da Portela.
Aos 25 anos seguiu para Israel onde viveu 10 anos e trabalhou no Kibbutz Beit Hashita, onde encontrou a mulher que podia ter sido a mãe do seu filho… e plantou uma árvore em Jerusalem na floresta do Memorial da Shoa.
Fez um curso de hotelaria no « Tadmor Hotel Training School » em Herzelia e trabalhou em muitos hoteis do pais, de norte a sul, e descobriu o seu verdadeiro Eu, que assumiu.
Em Zfat, abriu um bar numa gruta e viveu com um jovem pintor marroquino que o iniciou na pintura a óleo e o fez posar para os seus trabalhos .
Em 1965, numa praia de Tel Aviv, foi eleito « Mar Yam » (Mr. Mar) e teve dois julgamentos por estar ilegal no pais .
Aos 31 anos fez uma grande viagem pela Europa que acabou em Londres onde trabalhou na Foyles Book Shop e encontrou um outro alguém com quem viveu outro grande amor que já dura há 40 e muitos anos…
Aos 36 anos foi para Paris, trabalhou no Hotel Claridge nos Champs Elysées, e aos 41 anos voltou para Israel onde trabalhou no Hilton Hotel de Tel Aviv, onde recebeu a medalha do melhor recepcionista do ano e onde um realisador de cinema francês o descobriu e o trouxe de novo para Paris onde ele, Rogério do Carmo, recebeu uma medalha do « Artes e Letras » e publicou o seu primeiro livro de poesias « Sombras » e, com um grupo de amigos, fundou uma rádio portuguesa, a ALFA, o ultimo grande, grande amor da sua vida !
AMIGO
Um destes dias
Dou um salto ao cemitério
Vou visitar-te!
Ah! Já não posso
Já lá não estás!
Estavas lá tão bem
Campa rasa pacata
Mas levaram-te a Belém
Para uns pastelinhos de nata.
Que chatos!
Tinhas nos Prazeres
Sem grandes aparatos
Onde muito bem jazeres
Muito bem estares
Finalmente repousares
Pés juntos sem sapatos.
Isto depois de um enterro
Qual desterro
Com meia dúzia de gatos!
Nesse mesmo dia
Nove meses eu fazia
Nove vezes eu batia
À porta que se me abria
À porta que se te fechava!
E a porta se entreabria
E a vida me sorria
A vida me mentia
A vida me enganava!
E nesta vida ainda estou
Nesta vida ainda sou
Tudo o que me inventei.
Deixa lá
Quando me for embora
Só deixarei de fora
O muito que fumei!
Pobre de ti coitado
50 anos mais tarde
Sem borburinho nem alarde
face ao teu pouco destaque
Enfiaram-te um novo fraque
Que te fica muito bem
Invólucro das tuas ossadas
Teus heterónimos
E pseudónimos
Tuas últimas ramboiadas
E levaram-te para Belém
Mais perto das “tabacarias”
A venderem as tuas poesias
Como tu
Agora muito bem encadernadas!
Deram-te outra crista
Outra dimensão
Fizeram de ti alpista
Para muito oportunista
Pobres aves de rapina
Olhos postos no chão
Gotas de atropina
Lágrimas de estearina
Remorsos sem perdão!
Claro
Há os que te estimam
Os que te respeitam
Os que te admiram
Te respiram
Te veneram
Te adoram
E os que a ti se sujeitam!
Sem esquecer os que te venderam
Te vendem e exploram.
Sim!
Exploram!
Primeiro foram os melões
Depois foi o Camões
Que hoje menos se apregoa
A coisa dava dinh
Levaram-te fora de portas
Portas e janelas!
Digressões pelo pais
Exportado para o estrangeiro!
Good morning sunshine
Bloody Caravelas!
Pobre Poeta le voilà
Ainsi devenu célèbre
Malgré soi!
Hoje nos Jerónimos
Grandónimos
Com seus gráficos epitáficos
E àmanhã a estas horas
Onde estará?
Amigo multifacetado
Que tantos personagens criaste
Personagens isolados
Para te sentires menos desamparado
Pobre amante assexuado
No teu cubiculo enclausurado
Em teu silêncio masturbado!
Apenas te encontraste
No que nunca escreveste
Nem sequer pronunciaste
Mesmo pensá-lo não ousaste!
Ophélia
Efémera doce quimera
Manifesto
Devaneio sentimental
Intelectual?
Que não fez nem bem nem mal!
Apenas discreto refúgio
Apanágio subterfúgio
Ardil contraproducente
Para te enganares a ti
E embalar a gente.
Perto
Ou longe de Mário
Tua vida foi ermo calvário
destinos malogrados
Pelas convenções apartados
Mordidela de serpente!
Mesmo roto
António Botto
Quem arrojou vivê-lo
Dizê-lo
Escrevê-lo
E até mesmo publicá-lo!
O mais soberbo de todos os soberbos
O verbo “assumir”!
Sem calcular
Sem medir
Com todos partilhar
O verbo ser
E sê-lo ineiramente
Sem desvios
Atavios
Sem se renegar
A si proprio mentir
Si mesmo iludir!
Tu
Apenas te procuraste
No absinto onde afogaste
O presente dum futuro já passado!
Amigo multisolitário
Pálidos dedos de ervanário
Em mim te prolongaste
No muito que há em mim de só
E que como tu um dia será pó!
Amigo!
Na minha agonia
Quer de noite quer de dia
Dorme teu sono eterno
Que seja só meu este inferno
Onde sòzinho me deixaste!
Rogério do Carmo
Paris, 4/6/1990
In – “Vagas”
Obrigada rogério
por orquídea Hoje à 12:46
Foi este mês que comecei a ver no extra on line coisas feitas por si.
COISAS !!! Coisas lindas, belas, sinceras e "assumdas", porque belo é assumir, diz você no seu magnifico poema a Fernando Pessoa. Não me lembro de ter lido alguma vez alguém que o "contasse" como você o contou.
Onde anda você homem !?... Com tanta obra feita e sem qualquer "indicador" nos escaparates livreiros...
- Fazer cultura não é para todos. logo é privilégio de alguns
- divulgar cultura é só para os conscientes que constituem, infelizmente, uma magra fatia do horizonte populacional português
- "vender pseudo cultura" é só para maiorias "estupidificadas" e afectadas pelo incurável virus do poder demagógico e capitalista.
Que bom é lê-lo, Rogério... julgo que seja este o seu nome verdadeiro. Obrigada.
orquídea
DERROTA
Ninguém nota
Nos meus lábios magoados
A sede de beijar!
Ninguém nota
Nos meus dedos enclavinhados
O desejo de reter!
Ninguém nota
Nos meus passos apressados
A ânsia de chegar!
Ninguém nota
Nos meus olhos apagados
O susto de viver!
Ninguém nota
Nos vincos do meu rosto descorado
O cansaço de lutar
Num campo de batalha descampado
Sem tréguas nem troféus a conquistar!
Rogério do Carmo
Mafra, 1954
In – “Sombras”
A PRESSA
Fui feito à pressa
Numa fria noite de Maio
- Ou seria Junho? -
Minha mãe
Crispou-se num desmaio
Cerrou o punho
E meu pai veio-se depressa!
No céu a lua se apressava
No horizonte o sol já despontava
Rasteiro medrava o abrunho
O abrunho rasteiro medrava!
Ainda não tinha peito
Ainda não tinha geito
De mim não era que o rascunho
E já sonhava!
Logo que a luz se apagou
Pus-me logo a correr
Muito despressa a germinar
Muito depressa a crescer
Para o tempo não perder
O tempo não desperdiçar!
E quando Fevereiro chegou
- Logo no segundo dia -
Minha mãe me pariu
Minha mãe cortou
O cordão que nos unia
O cordão que nos uniu!
Ao longe um galo cantou!
Junto a mim meu pai me sorria
E o tempo logo começou
Na minha porta a bater
E sem perca de tempo
Pus-me logo a viver!
Mamei depressa
Dormi depressa
Chorei depressa
Depressa as fraldas sujei!
Abri os olhos depressa
Gesticulei depressa
Tudo aprendi depressa
Depressa de gatas andei!
Sorri depressa
Babei-me depressa
Balbuciei depressa
Depressa minha mãe adorei!
Comi depressa
Saí à pressa
Depressa te encontrei!
Depressa gostei de ti
Depressa te perdi
Depressa te chorei
Depressa te esqueci
Depressa tantos outros amei!
Depressa comi
Depressa bebi
Depressa dormi
Depressa acordei!
Depressa cresci
Depressa vivi
Depressa amei
Depressa sofri
Depressa tudo calei!
Depressa parti
Depressa cheguei
Depressa tudo vi
Depressa tudo mudei
Depressa regressei
Depressa me encontrei
Aqui
Aqui onde agora aguardo
A morte que se apressasse
E assim morresse depressa
Antes que a morte chegasse!
Rogério do Carmo
Agadir (Morrocos) 19/9/1989