C´EST LA VIE, C´EST FINI'E se, de repente a gente não sentisse a dor que a gente finge e sente. Se, de repente, a gente distraísse o ferro do suplício ao som de uma canção. Então, eu te convidaria pra uma fantasia do meu violão. Canta, canta uma esperança. Canta, canta uma alegria. Canta mais revirando a noite revelando o dia noite e dia, noite e dia. Canta a canção do homem. Canta a canção da vida, canta mais trabalhando a terra entornando o vinho canta, canta, canta, canta. Canta a canção do gozo, canta a canção da graça, canta mais preparando a tinta, enfeitando a praça, canta, canta, canta, canta. Canta a canção de glória, canta a santa melodia, canta mais revirando a noite, revelando o dia, noite e dia, noite e dia' [Fantasia, Chico Buarque].
Luiz Alberto Machado
Eu sempre tive mais do que mereço. Sabia, não. Não sabia. Sabia. Agora é tarde a dúvida. Viver é duvidar. Agora rumino, definho, esperando a morte chegar. Agora é tarde. Ou não seria cedo demais.
Eu tive mesmo muito mais do que merecia. Obrigado, vida, viver é duro demais. É duro demais viver.
Não merecia a cortesia dos amigos. Obrigado, gente, fui feliz e não sabia nada de felicidade. Isso porque nunca vi no olhar a cumplicidade.
Não merecia a ternura fêmea a me carinhar. Eu nem sabia quão fácil era amar sem saber do ódio, quando o amor é paixão que dói nos nervos. E no coração.
Não merecia mãe dedicada. Nunca fui nada, não lhe dei os sonhos esperados.
Não merecia o pai complacente, eu sempre fui tacanho demais para tê-lo compreensivo nas minhas horas minguantes.
Não merecia sonhar as estrelas no olhar, obrigado mundo pelas coisas que só eu soube ter.
Não deveria jamais ter a sorte que tive e fui contemplado, sempre tive mais, muito mais que o merecimento, confesso. Tudo me foi dado. E eu porco para ouro.
Não merecia o fruto do quintal, a sombra do abacateiro, o mormaço da carícia nem o perdão tardio que eu nunca soube haver.
Não merecia a palavra, nem o gesto, nem o lábio e o olhar, muito menos a espera e o ventre brotando qual rosa esplêndida na tarde da perda.
Obrigado por não ter que agradecer a nada. Nem a mim.
Obrigado rio que matou a minha sede e me afogou. E me ensinou a errar.
Sabia que a vida valia a mão do menino. E eu, esse menino, desfaleci.
Aí vivi porque morrer é só mudar de lado e ver o não visto, viver o não vivido e sonhar o que não se sonha.
Obrigado sol que me ensinou o frio. A vida enregela nossa alma e sobra só uma pedra no peito.
Obrigado noite que me deu luz onde não via. E eu morri no primeiro sorriso da menina.
Obrigado dia porque me ensinou morrer.
Obrigado rosa, o dar-se sem saber o que é dar.
Obrigado, amigo, antes soubesse solidarizar-me.
Obrigado a todos. E a tudo.
Nada mais tenho que oferecer, nada mais me resta. Só a gratidão de você. Obrigado, você.
© Luiz Alberto Machado.ESPERALuiz Alberto MachadoA vida levando, sombria esperança.
Os dias tato tontos servindo estranheza.
A utopia de ser existente.
O fácil vazio que só arrefece em praça tolhida,
Em ser condução:
Esperando Pinheiros no Largo da Paz.
Eu não sei agonia se espero amanhã.
O fato existe em não ser amanhã.
Sem tempo presente, imediato, um átimo sensível
De não se expressar.
Eu não sei ironia se já anoitece.
Se bem que meu peito nem amanhecia.
A pedra está por todos os lugares.
E a solidão de um banco de praça
É fruto do ermo em sensação.
E reveste meu corpo em chuva fininha
Que aglutina e já é temporal
Sequer o ônibus Pinheiros, sequer,
Apontou no Eldorado.
Minha praça vazia, meu coração.
Todos os outros pegaram seu rumo
E esqueceram a poeira no cansaço marcado.
Já não posso molhar meu corpo na chuva.
Nele só cabe o mormaço da vida.
Esperando Pinheiros no Largo da Paz.
© Luiz Alberto Machado.SISIFISMOLuiz Alberto MachadoSobre esta terra, Hy Breazil
Muita lágrima
Muito sangue
Jamais redimidos.
Sonhou-se novo sol, Hy Breazil,
Mas a banda é a mesma
As armas, as mesmas,
Os homens, os mesmos.
Hy Breazil!
© Luiz Alberto Machado.PALMARESLuiz Alberto MachadoUma cidade esta
A morada abissal nos quilombos da noite Zumbi
Ou uivo de coruja de todos os presságios
Alalaôs de todas as festas
Orações de todos os templos
Correio de todas as notícias
Arena de todas as lutas vencidas, perdidas, mal-choradas,
Terreno surpreso de todas ignóbeis sentenças de vida
Que se descoram e se colorem a cada anátema dos deuses
Eu guardo em meu cofre
Todos os teus impérios de fome e luxúria
Tua desprezível ingratidão
Contemplada nos tapetes de pelúcia que te completam
E te arruínam rodeada de penúria
Festejando andores que fabricam as incontestáveis beatitudes
Aureoladas nas noites insones
Que te deixam morrer e ressurge em cada copo mal-tomado
Como sudário de tua manifestação
Uma cidade esta
Dos deuses do barro suspensos nos tronos inflamáveis
De lazarentos apodrecidos nos porões de tua riqueza roubada
Que cantam cantigas do tempo do ronca sob um sol escasso e débil
Dos arcabuzes, mosquetões e pistolas ressoando seus estrépitos como saudando a vida disfarçada, o plantão do inverno nos ventres tristalegres e boquifamintos que inventariam teu espolio do mais completo bestiário canhestra de todas as vidas
O teu gen ressecou antes mesmo de caminhar pelas orlas estelares em formas do teu organismo carcomido e prostituído das seqüelas da vida que não mais retalham teus dramas porque são doces quimeras impetradas ao sigilo do teu crepúsculo
Porque são tirânicas as ousadias engastadas ao sibilo de tuas chuvas desmoronando sangue - a comiseração por todas bestificadas ruindades indiferentes que te redundam na mais completa insolência de justiça.
Uma cidade esta
Teus porões jamais revolvidos teriam muito mais que sujar toda tua cara e apodrecer-te nas mais inexoráveis das balanças, mas mesmo assim te guardo em meu seio como quem guarda a amante após a chuva dos desejos e te desejo como quem vai dormir ao relento dos cobertores e te venero como a um súdito esconjurado, pois não te jogaria uma pedra porque não as tenho no coração. Mas te daria meu aconchego porá poder sonhares teus erros e remediá-los com as meizinhas e ungüentos que guardo ao bolso e te sentiria, não como um carrasco, mas como um filho sem seio na anciã de amamentar.
Sou todos os teus brejos e imundícies
Sou eu que sofro com a tua agonia sabendo que ela não é minha, mas a te me dou e guardo em meus cofres o teu segredo.
Guardo tuas praças, ruas, becos e memórias.
Guardo santificadamente todos os teus desvarios e todas as tuas relíquias de bondade. E com amor todas as noites deito-me em teu corpo e ouço a voz de tua indignidade me falar sob as olheiras, o bafo da cachaça, o fumo, a tua ressaca, o teu pouco sol, a tua grande noite.
Eu tenho o teu desespero na carne e o teu desassossego no sono que me foge noite a noite na tua madrugada insidiosa, no teu crepúsculo suicida.
Eu tenho em mim todos os teus dotes, inventario teu espolio como um deserdado, mas sempre guardando a tua marca em meu peito e te tenho e sou pouco.
© Luiz Alberto Machado. CANTADORLuiz Alberto Machado A vida passa em cada passo do caminho
Vou passarinho professando a minha fé
Vou bem cedinho pela estrada que se espalma
O Nordeste em minha alma
Nos catombos do trupé
Vou Severino percorrer légua tirana
Com toda aventura humana
No solado do meu pé.
Sou cantador
E carrego no canto
Minha vida no manto
Que reveste o valor
Pra onde eu for
Eu me valha do encanto
Pra chegar em qualquer canto
Com a verdade do amor.
Vou com meu canto em cada canto lado a lado
Vou com cuidado afinando o meu gogó
Sem ter espanto, todo só de luz armado
Tino aceso e aprumado
Evitando um quiprocó.
Vou confiante, entre o céu e a terra, a ponte
No destino do horizonte
Vou bater até no sol.
Sou cantador
E carrego no canto
Minha vida no manto
Que reveste o valor
Pra onde eu for
Eu me valha do encanto
Pra chegar em qualquer canto
Com a verdade do amor.
Digo bem alto e minha crença toma abrigo
Sem ter asilo na redoma do mundão
Sigo o sermão no rumo a rota do estradeiro
Assuntando o paradeiro
Na melhor entonação.
Passo nos peitos a ficar comendo orvalho
Se cantar é o meu trabalho
Deus me dê toda canção.
Sou cantador
E carrego no canto
Minha vida no manto
Que reveste o valor
Pra onde eu for
Eu me valha do encanto
Pra chegar em qualquer canto
Com a verdade do amor.
© Luiz Alberto Machado.VIDA VIVA VERDE [CANTO VERDE] Luiz Alberto Machado Convem lembrar da vida pros olhos de todas as manhãs.
Convém lembrar da terra dos pés de todas as cores, coisas, raças e crenças.
Convém lembrar de todos os ventos,
do rio de todos os peixes, todas as canoas, brejos, lagos e lagoas.
De todos os mares, oceanos e marés.
De todas as várzeas, todos os campos,
todos os quintais de todas as frutas e infâncias,
de todas as selvas dos bichos de todas as feras e mansas,
de todas as matas, de todas as flores e folhas,
de todas as aves, repteis e batráquios.
De tudo que brilha pra gente um outro sentido de vida.
Convém lembrar, acima de tudo, o direito de viver e deixar viver.
© Luiz Alberto Machado. Biografia
LUIZ ALBERTO MACHADO é escritor, compositor musical e radialista pernambucano, editor do Guia de Poesia do Projeto SobreSites. Possui formação em Letras e Direito, é membro da Cooperativa da Música de Alagoas - Comusa e escreve regularmente para jornais, revistas e alternativos além de blogs, sites e portais da internet. Já publicou 6 livros de poesias, 7 infantis, 2 de crônicas além de ter vários textos publicados em veículos impressos e virtuais do Brasil e do exterior. Atua na área de literartura, música e teatro com espetáculos, palestras, oficinas e recreações infantis. Está lançando o dvd do seu espetáculo infantil 'Nitolino no Reino Encantado de Todas as Coisas', em breve. Parte do seu trabalho está reunido na sua home www.luizalbertomachado.com.br
Maceió - Alagoas
LUIZ ALBERTO MACHADO - lualma@terra.com.br