Milton Gama
Biografia
POEMA BÊBADO
Por Jorge Amado
'Poeta de largo fôlego, Milton de Enedino Gama',
escreve Carlos Eduardo da Rocha, ele Próprio
poeta. Carlos Eduardo sabe das coisas. Quanto
a mim, após ter lido 'Poema Bêbado' que
Juarez Paraíso me enviou no Natal, concordo
inteiramente com a opinião do prefaciador.
Gostei de ter encontrado em terras da Europa
o poeta Enedino tão brasileiro e tão povo
brasileiro. Gostei desde o começo:
'eu queria que chovesse vinho
ver em cada mão uma taça
em cada semblante um riso'
simples e terno, o peso social e a aventura
da vida, o vinho sinônimo da alegria verdadeira.
Gostei até o fim, até o encontro com:
'esse rosto
esses olhos
esse brilho
já existiam nos meus sonhos'
quando o poeta encontra o amor. Gostei da
Dose nº 2[autobiografia?], Da nº 13 por exemplo,
do poema para Vinícius de Morais - não será o
poeta Milton de Enedino descendente de Vinícius?
Para tudo dizer, gostei do livro, do Poema Bêbado
inteiro, de cada uma das Doses.
Agradeço a Juarez o envio e desejo ao Poeta
o sucesso que ele bem merece.
Jorge Amado
Em Cascais,Portugal,janeiro de 1992
1º. poema...
DOSE Nº. 1
eu queria que chovesse
vinho
ver em cada mão uma taça
em cada semblante um riso
ver nos campos esverdeados
os animais embriagados
e nessa selvagem beleza
o homem amando a natureza
eu queria que chovesse
vinho
e ver o mundo brincar
em festa trabalho e paz
Milton Gama
2º poema.
DOSE Nº. 2
para olímpia e enedino
meus pais
era uma vez um menino
menino do interior
amamentado com carinho
engatinhava na terra
solto petas ruas
tomava banho de chuva
na bica do sobrado velho
roubava fruta na feira
cocada na barraca do primo
era uma vez um menino
menino do interior
foi crescendo
livro na pasta
bola no campinho
expulso de escotas
andava pelos pastos
atrás de jumentas
amava também as meninas
o corpo chorava envolvido
entre o conselho e o castigo
severo dos velhos pais
era uma vez um menino
adolescente do interior
foi pensando
conheceu josé de alencar
beijou os lábios de iracema
viu jorge amado
amou gabriela
ouviu o cavaleiro da esperança
chorou com os capitães da areia
riu com monteiro lobato
passeou com érico veríssimo
olhando os lírios dos campos
sonhou com machado de assis
idolatrou castro alves
mordeu a isca da poesia
era uma vez um adolescente
adolescente do interior
foi pensando
andou com hermann hesse
vestido como sidarta
mergulhou nas florestas
em nascentes de rios límpidos
bebeu com Nirvana
ultrapassou os muros dos tempos
percorreu ruas das sociedades
envolveu-se com marx
papeou sobre as esquinas
visando tomeá-las
chocou-se em vielas
o peso da liberdade
fez na sua mente moradia
filosofou nos bares da vida
buscando sabedoria
afogou-se
em oceanos de frustrações
embarcações sem lemes
perdido entre perdidos
ironicamente anarquizado
viveu no cômodo mal-bom.viver
sentindo no luxo o lixo
sentindo no lixo o luxo
virou geléia geral
sob as fantasias dos líderes
serenamente evaporou
queria vida
era uma vez um homem
homem do mundo
foi vivendo
sem medo sem ódio
alto como o céu
cheio como a esperança
perpetuou-se na fortaleza
infinita da poesia
Milton Gama
3º poema...
A TAÇA
palavras formam frases
fazendo períodos
imaginando textos
palavras frases períodos
e textos
sonham sendo prosa livre
e a poesia com musicalidade
afaga a concordância verbal
tinha no tempo da liberdade
vivendo o desejo sentimental
Milton Gama
DOSE UNIVERSAL
nuvens se movimentam
o véu da penumbra cobre
o mundo
trombetas ecoam no infinito
iluminadas por raios celestiais
é bonito
o vento sopra a esperança
as árvores dançam
soltas faceiras e alegres
é a bonança
a terra se abre
exalando o cheiro da fêmea
seca-ardente
a água cai penetrando
em movimentos eloqüentes
ora suaves ora frenéticos
é a volúpia
quando já toda preenchida
transbordando sobre o corpo
a fragrância da vida
as crianças brincam e bebem
esse vinho universal
os animais saem dos abrigos
pulando cantando falando
respirando a brisa viva
sem perceber toda importância
dessa fecundação antiga
as pedras silenciosas
que ainda não foram presas
pelo medo dos homens
deitam e rolam
acompanhando o canto dos sapos
aplaudindo com fervor
esse bonito ato de amor
a chuva na terra
Ilustração
edson calmon
Milton Gama
DOSE Nº. 1
eu queria que chovesse
vinho
ver em cada mão uma taça
em cada semblante um riso
ver nos campos esverdeados
os animais embriagados
e nessa selvagem beleza
o homem amando a natureza
eu queria que chovesse
vinho
e ver o mundo brincar
em festa trabalho e paz
Milton Gama
DOSE Nº. 2
para olímpia e enedino
meus pais
era uma vez um menino
menino do interior
amamentado com carinho
engatinhava na terra
solto petas ruas
tomava banho de chuva
na bica do sobrado velho
roubava fruta na feira
cocada na barraca do primo
era uma vez um menino
menino do interior
foi crescendo
livro na pasta
bola no campinho
expulso de escotas
andava pelos pastos
atrás de jumentas
amava também as meninas
o corpo chorava envolvido
entre o conselho e o castigo
severo dos velhos pais
era uma vez um menino
adolescente do interior
foi pensando
conheceu josé de alencar
beijou os lábios de iracema
viu jorge amado
amou gabriela
ouviu o cavaleiro da esperança
chorou com os capitães da areia
riu com monteiro lobato
passeou com érico veríssimo
olhando os lírios dos campos
sonhou com machado de assis
idolatrou castro alves
mordeu a isca da poesia
era uma vez um adolescente
adolescente do interior
foi pensando
andou com hermann hesse
vestido como sidarta
mergulhou nas florestas
em nascentes de rios límpidos
bebeu com Nirvana
ultrapassou os muros dos tempos
percorreu ruas das sociedades
envolveu-se com marx
papeou sobre as esquinas
visando tomeá-las
chocou-se em vielas
o peso da liberdade
fez na sua mente moradia
filosofou nos bares da vida
buscando sabedoria
afogou-se
em oceanos de frustrações
embarcações sem lemes
perdido entre perdidos
ironicamente anarquizado
viveu no cômodo mal-bom.viver
sentindo no luxo o lixo
sentindo no lixo o luxo
virou geléia geral
sob as fantasias dos líderes
serenamente evaporou
queria vida
era uma vez um homem
homem do mundo
foi vivendo
sem medo sem ódio
alto como o céu
cheio como a esperança
perpetuou-se na fortaleza
infinita da poesia
Milton Gama
DOSE Nº. 3
paira no ar o hálito
do álcool da morte
no desespero a fuga
um líquido límpido
esmaga-me de encontro
a sólida razão
sinto a fome do mundo
vejo a sepultura estreita
sinto arder a sede de paz
bebo rindo a violência
minha mente se abre
descontraindo o corpo
esperando o amor
nas mãos jovens
fuzis brotam flores
dos corpos sem sangue
sai água regando
florescendo novo estágio de paz
no laboratório fabrica criança
torna eficaz o anticoncepcional
enxergo uma civilização decadente
de regimes mortíferos
em sistemas falidos
é a vivência das dúvidas
se perdendo nos fatos
abro a porta da verdade
o silêncio entra
as paredes riem
digo palavrões
é cômico é sério
abrem as prisões