CamaJorge Luiz da Silva AlvesAquela cama
ainda escuta a plangência
do seu apelo por vida;
o tanto que, para trás, deixastes
em torturas e mesmices,
quilômetros a fio de solidão
em leitos mortos.
Aquela cama
geme cada vez que, à noite,
nu em pêlo, negro e rijo,
lembro-me da firmeza com que te conduzi
- pele branca, sardônica princesa -
ao tépido mundo dos sonhos
onde você, girassol,
recebias de regalo
o meu regar salvador.
Aquela cama conta-me histórias
de tua vida cigana;
de quando, um dia, profana,
enveredastes por garupa de motos,
sob corpos indignos de ti;
indignada, tu te abres para mim
como que purificando-se
das escolhas erradas.
Aquela cama treme
quando te enfeixo entre braços,
vasculho teu íntimo, colado
na tua pélvis umedecida
a implorar por caudaloso maná
que, fertilizando tuas estepes,
faz-te florir sobre o colchão
devidamente batizado
pela essência transbordante
do teu dourado jardim.
Aquela cama
permanecerá intacta
[prometo-te !]
até o dia de tua volta
ao nosso ninho de luxúria e amor.
Tranco a porta, desço a escada;
e, lá dentro, refém do desejo,
escravo de corações recém-descobertos,
o tempo, quieto, fica.
SICÁRIOO meu nome?
Por quê importaria a ti, saber
a razão pela qual
destruo corações?
Saiba só do seguinte:
uma sica rasgara-me a esperança
num longínqüo tempo de danças
onde todos, engladiados, encouraçados,
apostavam em segundos de fraqueza
de inocentes cortesãos;
sei do que falo, pois,
num canto do peito trago uma fenda aberta
por hábil alabardeira;
e, mesmo em estertores, gritei
bem alto aquele nome: vilanesco
sinônimo de amor.
a partir de então, não mais importo-me
com o balido das ovelhas,
com o púbere lamento das filhas alheias,
com donas-de-casa carentes,
executivas simplórias,
freiras arrependidas ou
com a senhora sua mãe:
tudo passível de aço n'entranhas;
todas, fáceis presas n'alçapão;
enfio até o talo, bem junto ao cabo,
osso revestindo, osso quebrado,
músculo rasgado, vida esvaindo...
Pena? Não, não tenho!
De mim, não tiveram,
de ti, não terei...
mas, saiba de uma coisa
[não precisa chamar-me pelo nome]:
mesmo sendo sicário de almas,
só a ti - e a mais ninguém -
pertencerei...
...até que o aço, forjado em recalques,
temperado em despeito,
entre dores, nos separe!
ROMEU PRECISA MORRER?!?Precisa, o amor, ser patente
daqueles que, porventura,
batem sempre de frente?
Romeu precisa morrer?
Todos temos que sofrer?
Aos que tergiversam, negociam, argumentam,
sempre o fogo do Inferno?!
Há de se fazer sexo sempre violento, desconexo,
até que a cama quebre?
Pois, procede [eu mereço!],
que a mulher apoquente-me com cobranças
p'rá justificar a sanha
de 'Latino-Trepador'?
Tudo por 'amor'...
Isto é amor? - e a dor
das contas desencontradas no canhoto
de cada cheque voador,
só p'rá mostrar o furor
de galã apaixonado?
[Seu babaca! vale a pena, ela é gata!]
Advogados desembaraçando nós,
de tão górdio, entrincados;
Desde o 'Enfim, sós!',
casamentos destroçados
- írritos enlaces, por tantos anos gastos
em chorumelas sem-fim -
Ai de mim! Ingenuidade!
Vai ver, é isso mesmo:
Amor é virulento; em verdade, interesseiro,
e também esporrento:
'Tu olhou p'rá quem, vagabunda?!'
'Bate que eu gamo, chama-me puta!'
...vá que o estranho seja eu,
morrendo de medo em ser [eternamente]
Romeu...
biografia: Escritor amador, poeta, neologista e apaixonado pelas letras, pelo mar, pela liberdade e pelo amor, por um mundo mais justo, por pessoas mais humanas e por um planeta definitivamente mais vivo. Apenas isso. E muito conhaque, claro!
talassocrata@hotmail.com